KATATONIA - Nightmares as Extensions of the Waking State
(Napalm Records / Valhall Music / Sound City Records - Clique aqui para adquirir)
PRIMEIRAS IMPRESSÕES
Desde “Brave Murder Day”, acompanho a trajetória da sueca KATATONIA com uma espécie de respeito silencioso, um vínculo que nunca se quebrou, mas que também nunca exigiu proximidade constante. De longe, como quem contempla o movimento das marés em uma costa onde já naufragaram velhos sonhos, observei as mutações da banda com um misto de reverência e cautela. A KATATONIA que conheci nos anos 90 já não existe — e isso não é uma crítica. É apenas o reconhecimento de que há transformações que não se evitam. O novo álbum, “Nightmares as Extensions of the Waking State”, lançado em junho de 2025 pela Napalm Records, marca um desses pontos de inflexão, não apenas por ser o primeiro sem Anders Nyström, um dos pilares criativos da formação original, mas porque parece traduzir, com brutal honestidade, o momento de incerteza e reinvenção pelo qual a banda atravessa. No entanto, o resultado é ambíguo. Há momentos em que o disco soa como um sussurro íntimo e devastador, e outros em que a música se dilui em uma névoa de intenções não realizadas.
O álbum se inicia com “Thrice”, uma faixa que parece ter sido pensada para dar as boas-vindas a uma nova fase. Ela começa com um peso inesperado, quase como se a banda tentasse invocar espectros de uma era passada. Mas esse peso é rapidamente dissolvido em uma ambiência etérea e lenta, em que os vocais de Jonas Renkse, ainda belíssimos em sua fragilidade, guiam o ouvinte por uma espécie de transe emocional. A letra fala sobre invadir os sonhos alheios com “mãos de vidro”, uma metáfora sobre o esforço de tocar o outro sem destruí-lo — ou talvez sobre a impossibilidade de fazê-lo sem que algo se quebre no processo. A música, contudo, não cresce como poderia. Há um potencial contido que nunca se realiza, um crescendo emocional que fica no esboço. A sensação é a de estar diante de um prelúdio que se alonga além do necessário, retardando a entrada no verdadeiro corpo do álbum. Tudo é muito bem executado, porém, por incrível que pareça, isto não é necessário para que tudo soe bem.
Em seguida, “The Liquid Eye” traz um pouco mais de tensão harmônica. A faixa mistura guitarras com timbres eletrônicos sutis, enquanto a voz de Renkse oscila entre o sussurro e o quase canto, sempre com aquele lirismo sombrio que é marca registrada da banda. As palavras “My belongings all packed away / Elsewhere in the city” evocam uma sensação de exílio interior, como se o sujeito lírico estivesse sendo expulso de sua própria vida. A música é estruturada como um fluxo contínuo, sem refrões evidentes, o que contribui para a ideia de estar imerso em um delírio constante. Ainda assim, há um certo esgotamento criativo na composição. A harmonia parece se repetir em círculos, e mesmo os timbres, bem escolhidos, não conseguem resgatar totalmente a emoção que a letra insinua. Para se ter uma ideia, é estranho ouvir o belíssimo trabalho da bateria de Daniel Moilanen em uma música que não decola.
É com “Wind of No Change” que o álbum revela sua primeira grande reviravolta. A faixa se inicia sob o véu de um coral sombrio, evocando a pompa cerimonial de nomes como THERION ou os momentos mais teatrais da GHOST — uma escolha que destoa imediatamente da melancolia habitual da KATATONIA. A surpresa não para por aí: a letra, provocativa e ambígua, lança no ar um inesperado “hail Satan”, rompendo com a estética tradicionalmente existencial da banda. O resultado? Um estranhamento que instiga. A ousadia é notável, mas soa mais como um exercício de forma do que um mergulho emocional genuíno. Ainda assim, há algo magnético na forma como tudo se encaixa. O instrumental oscila entre introspecção e grandiosidade, e é justamente nesse equilíbrio que a música brilha. Os detalhes sutis nas guitarras — mérito de Nico Elgstrand e Sebastian Svalland — revelam uma sofisticação admirável. Sem dúvida, uma das faixas de destaque do disco. “Lilac” é, sem dúvidas, o momento mais luminoso do disco — se é que essa palavra pode ser aplicada a uma banda como a KATATONIA. A canção consegue equilibrar melodia e tristeza de forma exemplar. Há um peso sentimental nos versos “We were close to lilac time” que carrega uma melancolia imensa em sua simplicidade. As guitarras aqui brilham, com linhas harmônicas que remetem aos melhores momentos de “The Fall of Hearts” (2016) ou mesmo “Dead End Kings” (2012). O uso sutil de teclados como pano de fundo cria uma textura quase líquida, onde cada nota parece escorrer entre os dedos. É uma música que não precisa dizer muito para provocar — e talvez por isso seja tão eficaz. Há emoção, identidade e, acima de tudo, beleza. É o tipo de faixa que justifica a existência de um álbum.
“Temporal” mantém a qualidade, embora opte por uma abordagem mais contida. A melodia flui de forma natural, sem grandes explosões, mas com momentos de entrega emocional que ganham força com as repetições. A frase “I cower underneath the clouds / Can’t break the spell now” carrega um fatalismo romântico que dialoga diretamente com a tradição lírica da banda. É uma música que se revela aos poucos, e que talvez não conquiste de imediato, mas se insinua de forma persistente, como a dor que retorna dias depois de um adeus mal resolvido.
“Departure Trails” marca uma inflexão descendente no álbum. A canção parece existir mais pela atmosfera que tenta criar do que por sua estrutura musical. A ausência de ganchos melódicos e a insistência em texturas repetitivas tornam a faixa cansativa. A letra, que sugere uma busca por desaparecimento, é interessante, mas a execução não acompanha. Faltam elementos que deem corpo à ideia — e o que sobra é um vago sentimento de apatia.
“Warden” tenta reverter esse quadro com uma estrutura mais tradicional e riffs mais presentes, mas ainda assim não consegue resgatar a vibração emocional do início do álbum. “I am the abider / And I am the ill omen” são versos fortes, mas que se perdem em uma composição que soa genérica. “The Light Which I Bleed”, por sua vez, flerta com uma sonoridade mais expansiva e até otimista em seus primeiros segundos, mas retorna rapidamente ao estado de anestesia emocional que domina a segunda metade do disco. Há momentos interessantes, especialmente na alternância rítmica e nas linhas de baixo, mas nada que realmente se fixe na memória.
A penúltima faixa, “Efter Solen”, cantada em sueco, é uma aposta ousada e interessante. A língua natal de Jonas confere uma nova textura ao vocal, e a composição, embora minimalista, ganha força justamente por isso. A construção em crescendo é cuidadosa, e a ausência de guitarras permite que o ouvinte se concentre nas palavras, mesmo que não as compreenda. Há beleza nessa entrega, embora a faixa pudesse talvez ter sido mais impactante como um epílogo do álbum, e não como seu clímax emocional.
“In the Event Of” encerra o disco de forma anticlimática. A canção parece querer reunir todos os elementos experimentados nas faixas anteriores — ambiência, peso contido, letra introspectiva —, mas o faz de forma diluída, como se o disco terminasse mais por cansaço do que por uma escolha estética. O refrão não tem força, os arranjos soam reciclados, e a sensação ao final da audição é de que algo faltou.
VEREDITO
No fim, “Nightmares as Extensions of the Waking State” é um disco de contrastes e incertezas. Há momentos em que a velha KATATONIA ainda sussurra no ouvido do ouvinte, especialmente em faixas como “Lilac” e “Temporal”. Mas há também uma sensação incômoda de repetição, de zona de conforto, de ausência de risco.
A saída de Nyström certamente deixou um vácuo criativo, e embora os novos guitarristas tragam talento técnico, ainda não parecem ter encontrado sua voz dentro da banda. O resultado é um disco belo em sua intenção, mas irregular em sua execução.
Vale a pena comprar? Para o colecionador, para o admirador da estética da banda, sim — há momentos que justificam a jornada. Mas para quem busca intensidade emocional, um novo clássico, ou mesmo um disco que expanda os limites da discografia da KATATONIA, talvez seja melhor esperar o próximo movimento. Afinal, os pesadelos aqui, embora bem produzidos, parecem apenas ecos tênues de algo que já foi mais vívido.
5.0/10
(Daniel Aghehost)
TRACK LIST
1. Thrice
2. The Liquid Eye
3. Wind of No Change
4. Lilac
5. Temporal
6. Departure Trails
7. Warden
8. The Light Which I Bleed
9. Efter solen
10. In the Event Of