PRIMEIRAS IMPRESSÕES: HAVUKRUUNU - Tavastland (2025)
Por Daniel Aghehost
Publicado em 15/08/2025 10:59
Resenhas

HAVUKRUUNU - Tavastland

(Svart Records - clique aqui para adquirir)

 

PRIMEIRAS IMPRESSÕES

Cinco anos após seu aclamado “Uinuos syömein sota”, a HAVUKRUUNU retorna com um disco que não apenas honra o legado forjado ao longo da última década, mas o transforma em pedra angular de uma nova fase criativa. “Tavastland”, lançado em fevereiro de 2025 pela gravadora Svart Records, é um épico pagão envolto em gelo, fogo, memória e resistência. Não se trata de uma simples continuação: é um recomeço ritualístico, uma reconexão com as raízes mais profundas da banda e de sua terra natal. Um grito ancestral em meio ao silêncio moderno. 

Logo nos primeiros segundos de “Kuolematon Laulunhenki”, a atmosfera está selada. Uma introdução narrada em finlandês (aliás, língua que rege todo o disco), quase sussurrada pelos ventos do norte, cede lugar a um turbilhão de riffs cortantes e vocais rasgados, evocando a tradição do black metal nórdico com um senso de urgência que não se via desde os primeiros trabalhos da banda. Esta ferocidade sonora cativa de antemão, já que a banda resgata seus momentos mais brutais em uma composição acima da média. As guitarras de Stefan (também vocalista) e Henkka são um capítulo a parte: ora com riffs extremamente inspirados, ora em solos que atestam a exímia técnica dos músicos (prestando um verdadeiro tributo ao clássico Heavy Metal). A composição logo se expande em camadas, alternando explosões de velocidade com momentos grandiosos de coral em cantos de adoração. Destaco também o belíssimo trabalho de baixo e bateria – dignos de uma audição especial para ambos. Mas o que impressiona mais aqui não é apenas a habilidade técnica — que permanece incontestável — e sim a coesão entre letra, ritmo e intenção. A música canta o espírito imortal da canção — esse “laulunhenki” que jamais perece — como se cada riff fosse um feitiço milenar recitado à beira de uma fogueira em ruínas. 

Na sequência, “Yönsynty” abaixa a temperatura emocional e nos conduz a uma jornada mais introspectiva. O nascimento da noite é retratado com lirismo sombrio e amargura serena. A guitarra inicial, entre o acústico e o melódico, cria uma tensão suspensa que se desdobra em melodias doloridas, enquanto a voz se torna confissão e julgamento. O refrão traz ecos de remorso e condenação, onde a noite emerge como juíza das mentiras do dia e guardiã da verdade esquecida. O uso de camadas vocais é aqui mais sutil, porém não menos interessantes. Os riffs, embora menos agressivos, brilham em seu aspecto atmosférico, sustentando o clima com maestria. 

Mas é em “Havukruunu ja Talvenvarjo” que o álbum realmente ergue sua bandeira. O peso dos riffs, somado à bateria impiedosa de Kostajainen e ao baixo feroz de Humö — de volta após anos de ausência — cria um cenário de batalha sonora que emula uma marcha contra as forças do esquecimento. A letra é uma ode à guerra, não no sentido literal, mas simbólico: o confronto contra a dissolução cultural, contra o exílio espiritual de um povo. Talvenvarjo, a “Sombra do Inverno”, aparece como entidade recorrente, acompanhando o guerreiro em sua jornada final. O refrão se fixa como mantra: “Se saa syömeni janoamaan / Verta, Tulta ja Kuolemaa”. É impossível não sentir o sangue correr mais rápido ao ouvir. Henkka, nas guitarras, entrega aqui uma performance absolutamente inspirada, com um solo que destila tanto heroísmo quanto desespero. 

A faixa-título, “Tavastland”, chega com um tipo de solenidade diferente — menos marcial, mais reflexiva. O riff inicial é soturno, mas elegante, e se desdobra num lamento pela identidade perdida. A letra questiona: o que resta após o batismo forçado? O que sobrevive depois que a religião, o idioma e os símbolos são soterrados por cruzes de pedra? A canção se equilibra entre a poesia da saudade e a raiva contida de quem deseja reconquistar algo que lhe foi arrancado. É uma das músicas mais belas do álbum, não só pela melodia pungente, mas pela honestidade brutal do texto. A repetição do verso “Keskitalven tähtein yö, menneestä muistuttaa” é como um feitiço de proteção — uma invocação à memória. 

“Kuoleman Oma” devolve o álbum à sua verve mais agressiva, mas sem perder profundidade. A canção, uma ode à entrega consciente à morte, começa com riffs que soam como uma marcha final. A interpretação vocal de Stefan aqui é particularmente visceral, e suas linhas ecoam com uma solenidade rara: não há medo, só a vontade de abraçar o destino com espada em punho. As linhas de baixo guiam com autoridade a progressão melódica, enquanto solos alternam entre a fúria e a contemplação. A faixa expressa uma aceitação estoica do fim, que não é derrota, mas transcendência — talvez a mais poderosa representação da ideia de “boa morte” dentro do black metal épico. 

Em “Unissakävijä”, a narrativa dá uma guinada onírica. Sonâmbulo, o personagem-título é um símbolo da consciência que vaga entre mundos, entre o sono e o despertar, entre a lucidez e o esquecimento. A estrutura da música é menos linear e mais fragmentada, como um sonho mal recordado. Passagens acústicas, vocais distantes e riffs que oscilam entre o atmosférico e o dissonante contribuem para esse clima de perturbação silenciosa. A letra é uma das mais enigmáticas do disco, com referências veladas à melancolia cósmica, à solidão noturna e à angústia da vigília eterna. 

“Kun veri sekoittuu lumeen” carrega no título uma imagem poética e brutal: o sangue que se mistura à neve. E é exatamente essa mistura entre o violento e o belo que a faixa oferece. A guitarra de Stefan lidera com riffs que lembram a veterana BATHORY dos anos finais, mas com uma sensibilidade mais melódica e cinematográfica. Os vocais seguem a mesma lógica, alternando gritos desesperados com declamações mais cadenciadas. Aqui, a banda parece disposta a explorar a ideia de legado — de como as ações de um povo se perpetuam mesmo quando os corpos desaparecem. A neve, que encobre tudo, acaba por preservar a memória. E é isso que a música simboliza. 

O desfecho vem com “De Miseriis Fennorum”, uma faixa épica de quase onze minutos que resume, com perfeição, o espírito do disco. A construção da música é lenta e deliberada, iniciando com uma melodia quase folk e terminando num clímax arrebatador de solos e coros. É uma carta de despedida e também um manifesto. A letra descreve uma Finlândia ancestral, mas ao mesmo tempo perdida, onde os antigos deuses sussurram entre as árvores e as estrelas vigiam em silêncio. O ouvinte é guiado por uma narrativa que não precisa de tradução para ser sentida — é uma memória coletiva, uma dor antiga que sobrevive nas cordas das guitarras e nos gritos do vocalista. 

“Tavastland” é um disco que exige escuta profunda, mas recompensa com generosidade. Não é uma obra de consumo imediato. Ele não oferece refrões fáceis nem estruturas previsíveis. Ao contrário: ele desafia, seduz e, finalmente, conquista. A produção encontra o equilíbrio ideal entre clareza e aspereza, permitindo que todos os instrumentos — inclusive os elementos adicionais como teclados, acústicos e ambientações naturais — respirem e coexistam. É notável como a HAVUKRUUNU consegue soar grandiosa sem parecer artificial, épica sem se tornar caricata. 

O álbum marca não só a volta de Humö e uma maturidade evidente no instrumental, mas também uma guinada lírica e emocional importante. A revolta dos Tavastianos contra a cristianização não é apenas pano de fundo — é metáfora para o espírito do álbum como um todo: uma recusa diante da homogeneização, um elogio à diferença, uma homenagem ao que ainda pulsa entre florestas, colinas e rios congelados. 

Com Tavastland, a HAVUKRUUNU solidifica seu lugar entre os grandes nomes do pagan black metal contemporâneo, mas faz isso sem repetir fórmulas ou ceder ao conforto da previsibilidade. É um álbum corajoso, que se vale da tradição para construir algo genuinamente novo. Uma obra que não apenas canta o passado, mas que o convoca, o encarna, e o transforma em força viva

 

 

VEREDITO

Com Tavastland, a HAVUKRUUNU não apenas retorna — ela renasce com fúria, lirismo e propósito. Este não é apenas um álbum de black metal pagão: é um rito de passagem, um grito contra o esquecimento e uma oferenda à terra que moldou seu som e sua alma. Ao longo de suas faixas, a banda traça um percurso onde a técnica encontra o mito, onde a brutalidade coexiste com o sagrado e onde a memória não é nostalgia, mas resistência ativa. 

No fim, o que a banda entrega aqui é mais do que música. É identidade. É alma. É o som de um povo que, mesmo calado pela História, ainda canta — entre árvores silenciosas, em noites de inverno, e no coração daqueles que se recusam a esquecer. 

“Tavastland” é, sem dúvida, um dos lançamentos mais marcantes do pagan black metal nos últimos anos. Com composições inspiradas, produção equilibrada e uma carga emocional autêntica, o álbum oferece uma experiência densa, envolvente e cheia de identidade. Se você busca um disco que vai além do comum, que une brutalidade, melodia e significado com maestria, este é um investimento que vale cada segundo de escuta — e cada centavo. A HAVUKRUUNU não apenas mantém seu nível: eleva-o. Comprar “Tavastland” é adquirir um pedaço vivo da alma do norte. Uma pena que este disco passará despercebido pela grande maioria dos amantes desta sonoridade gélida.

 

NOTA DO REDATOR

Vale — e muito — a pena traduzir as letras de “Tavastland”. Embora cantadas em finlandês, cada faixa carrega um universo simbólico denso, repleto de imagens ancestrais, conflitos espirituais e metáforas profundamente enraizadas na história e na identidade de um povo. Ao traduzir esses versos, o ouvinte mergulha não apenas na narrativa da banda, mas em um imaginário coletivo que dá nova camada de significado à música.

A experiência de escutar o disco com as letras em mãos transforma-se em um verdadeiro ritual de imersão, onde cada palavra decifrada ecoa com ainda mais força entre os riffs, as melodias e os gritos que clamam por memória e resistência. 

  

10/10

 

(Daniel Aghehost)

 

 

TRACK LIST

1. Kuolematon laulunhenki

2. Yönsynty

3. Havukruunu ja talvenvarjo

4. Tavastland

5. Kuoleman oma

6. Unissakävijä

7. Kun veri sekoittuu lumeen

8. De Miseriis Fennorum

 

 

Comentários
Comentário enviado com sucesso!