WARHAMMER - Total Maniac
(Van Records)
PRIMEIRAS IMPRESSÕES
Há algo de fascinante no fato de uma banda conseguir, com total entrega e convicção, replicar uma estética musical que remonta aos primórdios do metal extremo sem soar caricata ou desnecessária. Quando falamos da banda alemã WARHAMMER, estamos nos referindo exatamente a isso: um tributo vivo, barulhento e honesto à obra seminal de HELLHAMMER e aos primeiros passos do CELTIC FROST. Com o lançamento de “Total Maniac”, sexto álbum completo da banda (não parece, mas DEZESSEIS ANOS após o maravilhoso “No Beast So Fierce...”, a banda se despede dos palcos e estúdios com um trabalho que funciona simultaneamente como elegia, celebração e testamento – um disco que reverbera tanto o lamento da perda de Volker “Iron Lung” Frerich quanto a reafirmação de uma identidade musical que jamais vacilou em sua fidelidade às raízes do underground.
Gravado com a presença de Iron Lung pouco antes de sua morte em 2021 e lançado exatamente quatro anos após sua partida, “Total Maniac” é, acima de tudo, um disco de memória. Ainda que envolto em podridão sônica, ritmos tribais, riffs decrépitos e ambiência ameaçadora, o que salta aos ouvidos é a sensação de que estamos diante de algo mais do que uma simples homenagem estilística: trata-se da última comunicação de uma entidade que viveu em função do som mais cru e anticristão possível. Há uma reverência nas composições que transcende o exercício estético – WARHAMMER não “soa como” HELLHAMMER e CELTIC FROST. WARHAMMER “é” o espírito desses pioneiros, destilado em sua forma mais podre, rudimentar e primitiva.
Logo na faixa de abertura, “Angel of Destruction”, a banda já nos dá as boas-vindas com um riff mastodôntico, minimalista e dissonante, como se Tom G. Warrior estivesse possuído pelo espírito dos mortos. A bateria de Priest of the Beast entra com sua levada marcial, cadenciada e ritualística, e os vocais rasgados de Iron Lung – agora definitivamente fantasmagóricos – ecoam como se estivessem saindo de dentro de um sarcófago. Não há concessões: WARHAMMER apresenta desde os primeiros segundos a sonoridade que irá sustentar o álbum todo – densa, lamacenta, gotejando blasfêmia.
“Excruciation (Thirty Pieces of Silver Pt. II)” aprofunda o mergulho na decadência sonora com guitarras ressoando como serras enferrujadas e linhas de baixo que mais parecem terremotos subterrâneos. A música se arrasta como um réptil agonizante, com passagens lentas entrecortadas por explosões “mid-tempo”. É uma sequência que demonstra o domínio que a banda tem de sua linguagem: mesmo sem inovações, a WARHAMMER manipula os elementos do metal primitivo com propriedade e autoridade.
“Seven Witches of Malevolence” é um dos momentos mais marcantes do disco. O riff principal remete a “Necromantical Screams”, mas com uma intensidade ainda mais corrosiva. Os backing vocals ululantes e a produção propositalmente abafada reforçam o clima de caverna profana. Aqui, a banda evoca os rituais esquecidos do black metal ancestral, não como peça de museu, mas como culto ainda vivo.A quarta faixa, “Rise of a New Apocalypse”, com seus mais de sete minutos, é a mais ambiciosa em estrutura. Após uma introdução que beira o doom arrastado, a música evolui em camadas, como se a própria destruição fosse encenada sonoramente. Os riffs evoluem, a bateria cresce em tribalismo, os vocais alternam entre invocação e grito de desespero. É o ponto em que a WARHAMMER ultrapassa a simples fidelidade estética e constrói um monumento próprio dentro da estética que sempre venerou.
“Darkness Death Decay” volta ao clima direto, com andamento mais acelerado e riffs que remetem à escola do proto-thrash germânico. É como se o SODOM de “Obsessed by Cruelty” estivesse emulando o HELLHAMMER de “Satanic Rites”. O baixo de Zippi tem papel fundamental aqui, adicionando uma camada de podridão melódica que eleva a brutalidade sem comprometer a clareza da composição.
O cover de “Forced Values”, do CRUDE SS, é uma surpresa e um aceno aos vínculos entre o black metal e o punk/hardcore. O espírito crust dessa faixa injeta velocidade, fúria e urgência ao álbum, funcionando como uma lufada de ácido no meio da densidade ritualística das faixas anteriores. Os alemães sabem exatamente o que estão fazendo: homenagear as raízes do metal extremo inclui reconhecer a importância do espírito anárquico e nihilista do punk dos anos 70 e 80.
“Bestial Torment” é curta, suja e absolutamente impiedosa. Em menos de três minutos, a banda destila tudo aquilo que a define: riffs primitivos, vocalizações demoníacas e uma bateria que soa como ossos quebrando. É um soco direto e certeiro, que talvez resuma melhor que qualquer outra faixa a essência da WARHAMMER.
“Strike of the Infernal Adversary” alterna atmosferas ameaçadoras com partes rápidas e caóticas. Há momentos em que a música parece à beira do colapso, como se a estrutura fosse ruir de tão instável – mas é justamente esse caos controlado que dá à banda sua autenticidade. Iron Lung urra como se estivesse em transe, evocando forças que poucos ousariam nomear.
Na sequência, a faixa-título “Total Maniac” funciona como um manifesto sonoro. Os riffs são repetições hipnóticas, os andamentos se arrastam como marcha fúnebre, os vocais têm uma cadência quase profética. Não há intenção de agradar, tampouco de explorar qualquer tendência moderna. Aqui, a banda entrega uma síntese de tudo aquilo que representa: primitivismo, negrume e devoção ao caos.
O álbum se encerra com “Dying Is Easy”, uma faixa longa e atmosférica que mistura elementos de doom metal com vocalizações cavernosas. É um epílogo fúnebre, uma elegia ao próprio Volker “Iron Lung” Frerich. A música parece refletir sobre a finitude – da banda, da vida, do próprio metal extremo como entidade marginal. É um encerramento melancólico, mas necessário, como o apagar da chama que ardeu intensamente por décadas.
É importante destacar que Total Maniac foi disponibilizado apenas em formato digital, o que pode parecer contraditório para uma banda que sempre prezou pela ortodoxia estética. No entanto, a decisão não enfraquece o impacto do álbum – pelo contrário, reforça sua natureza como documento final, quase como um grimório digitalizado para ser redescoberto por arqueólogos do som extremo (NOTA DO REDATOR: No dia da postagem desta resenha, soube que "Total Maniac" terá sua versão física lançada pela gravadora Ván Records - belíssimo ponto para a gravadora!!!).
A produção, assinada sob o nome de Obscured by Evil, acerta ao optar por uma mixagem que privilegia a aspereza, sem sacrificar a inteligibilidade dos instrumentos. O trabalho de arte é igualmente eficaz: visual sujo, monocromático, evocando as capas dos demos esquecidos dos anos 80. “Total Maniac” é, nesse sentido, um pacote completo.
VEREDITO
Em sua essência, a alemã WARHAMMER nunca buscou reinvenções. Sempre foi sobre reverência. Mas a reverência aqui não é passiva – ela é viva, pulsante, cheia de sangue e fúria. “Total Maniac” é uma despedida, mas também um grito final.
É como se a banda, já com os pés na cova, se recusasse a partir em silêncio. E ao fazer isso, oferecesse a seus seguidores um presente inestimável: um álbum que é ao mesmo tempo carta de amor e testamento.
Para os devotos do metal mais cru, o disco será um artefato indispensável. Para os curiosos, uma aula sobre como manter intacta a essência mesmo em tempos de constante transformação.
“Total Maniac” não é apenas mais um disco – é um epitáfio. Um que soa alto, pesado e verdadeiro até o último acorde.
Como o metal extremo deveria sempre ser.
9.3/10
(Daniel Aghehost)
TRACK LIST
1. Angel of Destructon
2. Excruciation
3. Seven Witches of Malevolence
4. Rise of a New Apocalypse
5. Darkness Death Decay
6. Forced Values
7. Bestial Torment
8. Strike of the Infernal Adversary
9. Total Maniac
10. Dying Is Easy